Brasília, dia 5 de dezembro. Gabo chegou da Costa Rica na noite anterior. Mas não é a primeira vez que vem ao Brasil. Casou com uma menina de Olinda e trabalha nos sinais das capitais pra sustentar a filha. Conhece o fogo. Só acende as chamas quando o sol se põe. Dos carros as pessoas buzinam pra dar dinheiro. Um menino de rua veio pedir no mesmo sinal. Agora as pessoas fecham os vidros. As chamas se apagam. O menino quer dinheiro. Precisa do brilho do crack. O vendedor se esconde no estacionamento ao lado.
Brasília, dia 4 de dezembro. Primeiros raios de sol iluminam operários nas crateras da lua. Estão ali desde a escuridão. Entre a cúpula da Catedral e o anel do Museu Nacional eles esperam o primeiro ônibus que partirá para as novas construções da cidade-monumento.
Brasília, dia 1° de dezembro. Planalto Central volta à velha rotina com a mudança do tempo. Na cidade se procura e se encontra, e se perde. Alguns se escondem na sua invisibilidade marginal, rastejando por baixo das pedras portuguesas, soterrando suas estruturas por dentro das artérias quentes da cidade, sentindo por cima os passos pesados da sociedade. Na cidade há uma guerra surda entre Brasiliários que pegam sua comida do lixo e os que pegam sua comida da mesa.
Brasília, dia 30 de novembro.Desfile em moderna arquitetura. O corpo tem o movimento do Cerrado em dias de chuva, de nuvens gigantes e pretas que dançam coreografias lentas.
Brasília, dia 29 de novembro. Brasiliários se protegem da luz em seminvisibilidade. O sol queima pedras portuguesas e abre artérias azuladas no chão da cidade.
Brasília, dia 28 de novembro. A chuva já não assusta mais. Roupas molhadas, calçados pesados. Ficou decidido que ninguém sairia na rua protegido. O guarda-chuva foi proibido. Assim como se adaptaram ao sol, os Brasiliários começam a se adaptar à agua.
Brasília, dia 27 de novembro. Alguns dias são mais iguais do que outros. Quantas vezes neste ano um Brasiliário terá atravessado a mesma faixa de pedestre?
Brasília, dia 25 de novembro. Neste lado da cidade, onde não há residências, só a obrigação do trabalho, as pessoas têm pressa. Passam correndo por quarteirões que não são de ninguém, escapando às ruas que, dizem, já colocaram raízes nos pés de alguém.
Brasília, dia 24 de novembro de 2009. Do alto do Setor Comercial Sul, as pessoas têm cabeça de guarda-chuva e pernas pequenas. Mas isso é só quando chove.
Brasília, dia 23 de novembro. Segunda-feira, 23h45. O Encarregado foi finalmente incorporado à paisagem. A meio caminho entre o Hospital Sarah Kubitschek e o Pátio Brasil, sua silhueta se estendeu pela cena urbana e pelo semáforo, que era o seu ponto. Não cobrará mais os impostos da opressão. Brasiliários não conseguem mais enxergá-lo. Agora a chuva é sua, toda sua. A noite toda. Impiedosamente.